Não tive muito tempo para renovar meu blog. Mas não saiam daí. Continuem acompanhando que, breve, postarei mais histórias e músicas!
Abraços a todos!
O Oráculo da Música
O MUNDO DA MÚSICA ANTIGA, NO IMAGINÁRIO DO CONDE LOPPEUX DE LA VILLANUEVA. REPERTÓRIO DE MÚSICA MEDIEVAL, RENASCENTISTA E BARROCA PARA OS AMANTES DO PASSADO MUSICAL.
Tuesday, May 29, 2007
Thursday, April 19, 2007
História Trágico-Marítima III: Terra à vista!

Quando Vasco da Gama chegou, em 1499, Dom Manuel, encantado com as notícias da viagem, idealizou uma nova viagem para as Índias. Ordenou uma nova frota, a maior armada até então organizada pelo reino português e escolheu o homem que lideraria a empreitada: Pedro Álvares Gouveia, conhecido posteriormente como Cabral. Em carta régia, assinada no dia 15 de fevereiro de 1500, o Rei de Portugal manda as seguintes investiduras ao nobre, para liderar a nau-capitânia:
“(...)Fazendo vós a saber, capitães, fidalgos, cavaleiros, escudeiros, mestres e pilotos marinheiros e companhia e oficiais e todas as outras pessoas que aqui enviamos na frota e armada que vai para a Índia, que nós, pela muita confiança que temos em Pedrálvares de Gouveia, fidalgo de nossa Casa, e por conhecermos dele que nisto e em toda outra coisa que lhe encarregamos nos saberá muito bem servir e nos dará de si muito boa conta e recado lhe damos e encarregamos a Capitania Mor de toda a dita frota e armada. (...)Cumprais e façais inteiramente seus requerimentos e mandados assim e tão inteiramente e com aquela diligência e bom cuidado que de vós confiamos e o faríeis se por nós em pessoa vos fosse dito e mandado, porque assim o havemos por bem e nosso serviço e aqueles que assim o fizerem e cumprirem, nos farão nisso muito serviço. (...) Dada em nossa cidade de Lisboa aos 15 dias do mês de fevereiro. Antonio Carneiro a escreveu no Ano de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e quinhentos”.
















Cabral zarpara no dia 20 de dezembro e foi para Cochim, cidade inimiga de Calicute e fez aliança com o Rajá da cidade. Abarrotou suas naus de pimenta do reino, gengibre e canela, além de outras especiarias. Instalou uma feitoria portuguesa na cidade e, no dia 16 de janeiro de 1501, partiu de volta pra Portugal. De volta a Melinde, a nau de Sancho de Tovar encalhou num banco de areia e depois de descarregar as mercadorias em outras naus, Cabral mandou queimar o navio. Sobraram cinco navios a partir. Dobraram o Cabo da Boa Esperança mais ameno, em 22 de maio de 1501 e chegaram a Berzeguiche, atual Dakar, em 2 de julho. Encontraram o navio perdido de Diogo Dias, com sua tripulação de apenas sete homens, esfarrapados, indigentes e esfomeados. No mesmo porto, Cabral encontrou três navios, a mando do Rei Dom Manuel, com a missão de explorar a nova terra descoberta por ele: Brasil.


A viagem de Cabral abriu portas para a conquista portuguesa nas Índias. O tio de sua esposa, Afonso de Albuquerque, anos depois, expandirá o domínio lusitano nas Índias e se tornará senhor absoluto de uma parte da Índia, aterrorizando os mouros e hindus da região. Para alguns críticos historiadores orientais, ele iniciou um período colonialismo mais sanguinário e a conquista do mundo pelos europeus. Por intermédio de Cabral que se inicia a história do Brasil e da colonização portuguesa na região, acabando por surgir, séculos depois, uma nova nação. Cabral representa a complexidade do homem europeu: misto de cavaleiro medieval, guerreiro templário da Reconquista Ibérica, e um educado fidalgo da Renascença, investigativo, impetuoso, destemido, inquieto e desafiador. Cabral é como muitos homens de sua época: uma transição entre dois tempos, entre duas realidades que aparentemente se chocam, mas que na prática, representam uma unidade; o agonizante mundo medieval e o nascimento da Idade Moderna. Em suma, um homem fronteiriço dos tempos modernos.
(Cancioneiro de Belém- Século XVI).
Monday, April 02, 2007
História Trágico-marítima II: elevando um reino a império!

Portugal do século XV, na política, foi uma das mais controversas. O Mestre de Avis preservou a monarquia, ao expulsar os partidários portugueses e castelhanos da rainha Leonor Teles, derrotando-os no campo de batalha. De fato, a derrota da nobreza feudal portuguesa e castelhana e a união da monarquia com os burgueses, plebeus e pequenos nobres nacionalistas de Lisboa, incrementaram o processo de centralização monárquica de Portugal. A estabilidade do reino português foi consagrada, na medida que uma boa parte do séqüito da nobreza era ligada na pessoa do rei. O Mestre de Avis, ao casar-se com Filipa de Lancaster, em 1387, incrementou uma aliança com a Inglaterra, tirando Portugal do isolamento político. No entanto, alguma ameaça pairava sobre o trono lusitano, quando o infante Dom Dinis, filho do rei Pedro e Inês de Castro, declara-se rei e, com o apoio de Castela invade Portugal, no ano de 1398. No entanto, em Beira, o Condestável Nuno Álvares derrota as tropas de Dom Dinis e a dinastia de Avis, mais uma vez, é salva. Em 1402, Portugal e Espanha assumem a trégua e os partidários portugueses de Castela são perdoados, e, no ano de 1411, assinam a paz, com a devolução dos bens confiscados dos portugueses recalcitrantes.

O Rei João I faleceu em 1433 e foi substituído pelo seu filho Dom Duarte. Dizem que o batismo de seu nome foi em homenagem a seu bisavô, o rei Eduardo III da Inglaterra, já que era filho da rainha inglesa Filipa de Lancaster, neta do rei inglês. Em seu curto reinado, os portugueses conseguiram ultrapassar o Cabo Bojador, abrindo espaço para o domínio da costa oeste da África. Um evento que manchou a reputação do infante Dom Henrique foi quando idealizou o ataque a Tanger, em 1437. No malogro da batalha, os portugueses tiveram muitas baixas e a cidade não foi tomada. Para piorar, o príncipe caçula Dom Fernando, irmão do rei e de Henrique, foi capturado pelos mouros. O rei do Marrocos exigiu a devolução de Ceuta, em troca do resgate do príncipe, mas o próprio Dom Fernando se recusou e morreu no cativeiro. Pela sua abnegação, foi então chamado de “infante santo”. Um ano depois, Dom Duarte morreu, vitimado pela peste.
A morte do rei causou uma situação delicada em Portugal. O príncipe herdeiro, Afonso, ainda não tinha idade para governar e Dom Duarte deixou em testamento, os poderes de regência à rainha, dona Leonor de Aragão. As cortes, receosas do governo de uma estrangeira e espanhola, e sempre temerosas da ameaça de Castela, recusam o testamento real, exilam a rainha para a Espanha e declaram o tio do monarca, Dom Pedro, Duque de Coimbra, como regente. O duque mede esforços para centralizar o poder na figura do rei e se depara com seu rival e meio-irmão, Dom Afonso, que disputa as atenções do Rei-menino. Na prática, o Duque de Bragança representava a reação feudal contra o centralismo monárquico encabeçado pelo Duque de Coimbra. Astuciosamente, aos poucos, os Braganças conquistam a apreciação do rei. A velha aristocracia portuguesa, ressentida com o fortalecimento da monarquia de Avis, e potencial aliada da monarquia castelhana, acabava por encontrar brechas para enfraquecê-la.
Em 1444, os portugueses iniciam um dos empreendimentos dos mais odiosos desde então: na cidade de Lagos, em Algarve, abrem o comércio de escravos negros na África. Em vistas a concorrer com o mercado árabe de escravos, em vigor ao norte da África desde o século VIII, compram escravos das tribos africanas e as revendem ao comércio europeu (particular, nas Ilhas de Açores e na Itália) e do Mediterrâneo. Posteriormente, com a descoberta e colonização da América, o mercado de escravos negros se expande para o Novo Mundo, tornando-se uma das atividades mais lucrativas da Idade Moderna. Por todo o litoral africano, são construídas feitorias portuguesas alinhadas com os reinos negros do Congo, Guiné, Moçambique e outras nações européias, como Inglaterra e Holanda, entram na disputa da mão de obra negra.
Inicialmente os portugueses capturavam escravos no litoral, através do puro despojo de guerra. Entretanto, viam que era mais lucrativo fazer alianças com as populações nativas, que já praticavam o escravismo com os árabes. Até então a moeda usada era o ouro da Guiné, com que os portugueses trocavam os cravos com os aliados africanos. Posteriormente, o tabaco também foi usado como moeda de troca até o século XIX.

Ao espalhar notícias falsas de uma suposta revolta contra o rei, este declarou o Duque de Coimbra um rebelde traidor. Pressionado pelas cortes, o rei obriga ao infante regente para que deponha às armas e suas tropas leais. O regente duque se recusa e o rei, furioso, manda a própria esposa falar com o pai, para que ele escolhesse sua pena de traição: a morte, a prisão perpétua ou o desterro. A rainha Isabel de Coimbra, aos prantos, aconselhara ao pai para que ele fosse exilado para a Inglaterra ou Hungria, onde tinha parentes e amigos. O Duque de Coimbra se recusara e armou suas tropas, marchando para Lisboa.



Há de se entender que o conceito de “nacionalidade” e de “Estado” ainda eram embrionários. A nobreza européia não nutria vínculos nacionais para com seus povos, mas tão somente vínculos familiares e dinásticos para com seus pares. Isso porque cada território de um senhor feudal possuía uma lei própria em que poderia reger sua cidade ou vila, e a relação de suserania e vassalagem, que consignava deveres mútuos entre a coroa e a aristocracia, implicava limitações ao poder do reino. A dúbia lealdade dos nobres portugueses com a Coroa tinha a ver com a idéia de que a influência castelhana enfraqueceria a monarquia portuguesa, e isso daria plenas forças para que a aristocracia controlasse o rei. Daí a entender que a “alta traição” da nobreza portuguesa não estava ligado a um conceito nacional e sim na quebra de lealdade na figura do rei. Se havia uma chamada “razão de Estado”, um termo impróprio na Idade Média, era na pessoa exclusiva do rei. Sabia-o bem Dom João II que não poderia confiar nos seus pares aristocráticos. E a tendência para enfraquecê-los, visava simplesmente limitar a ação política deles.
O rei, através de seus espiões, descobre uma correspondência secreta entre Dom Fernando, Duque de Bragança e os Reis Católicos Isabel e Fernando, visando conspirar contra seu reino. Nas cartas, o duque declarava-se hostil à política real e chamava-a de “tirana”, e suas opiniões, conhecidas pelos inimigos castelhanos, foram intoleráveis a Dom João II. Isso porque se falava de rumores de uma suposta invasão contra o reino de Portugal. Em 1483, Dom Fernando foi preso por traição, julgado e decapitado em praça pública na cidade de Évora. A família de Bragança foi banida de seus títulos, suas terras foram confiscadas e anexadas à propriedade da Coroa e o herdeiro do ducado, Dom Jaime, ainda criança, foi exilado pra Castela.
Porém, não foi a única conspiração. O homem mais poderoso de Portugal, depois do Duque de Bragança, era Dom Diogo, Duque de Viseu, primo e cunhado do rei, beneficiário do título ducal de Viseu, pelo infante Dom Henrique, seu tio. Desgostoso com a política real, o duque idealizou uma conspiração para assassinar Dom João. Numa audiência no palácio, o Dom Diogo é chamado à presença do monarca e quando aparece, é morto a punhaladas pelo próprio rei. Muitos outros conspiradores são impiedosamente executados, como o bispo de Évora, que é encontrado morto na prisão, envenenado.

No âmbito externo, os portugueses conseguem explorar toda a costa ocidental da África e constroem uma formidável fortaleza militar na Guiné, São Jorge de Mina, em 1482, garantindo as fontes primárias de ouro na região e drenando o comércio português. Comenta-se que para impressionar os nativos, o rei mandou uma pequena tropa de portugueses bem vestidos e armados até os dentes, reluzindo em armaduras, para impor temor e respeito a quem os visse. Na verdade, as minas africanas de ouro abasteceram a Europa de moedas de ouro, já que Portugal comprava roupas, cavalos, tecidos, latões e chumbo da Inglaterra, Irlanda, Flandes e Alemanha com moedas da Guiné. Os portugueses consumiam trigo do Marrocos e o reexportavam para toda o continente europeu, junto com especiarias, marfim, pimenta malagueta (vinda da África), metais preciosos e escravos. A afluência de ouro por intermédio de Portugal foi tão marcante, que séculos depois, alguns tipos de moedas que circulavam na Europa Setentrional eram chamados de “portugaleses”, em alusão às moedas vindas da Casa de Mina, centro comercial onde eram fiscalizadas as mercadorias vindas da África.
O rei, obcecado pelos mitos em torno do continente africano, em particular, da lenda de Preste João, monitorava de perto, as ações e atividades econômicas e militares de perto na África. Preste João era um mitológico príncipe cristão, que provavelmente vivia na Etiópia e era narrada sua existência por mercadores árabes, judeus e mesmo europeus. Uma lenda antiqüíssima, já que a história era ouvida na Europa, desde o século XII. A sua primeira menção foi em 1145, quando um bispo do Líbano relatava a descrição de um reino cristão para lá da "Pérsia e da Armênia", cujo governante era um rei-sacerdote, descendente dos reis magos. Ele se chamava "João, o presbítero", e na linguagem franca da época, foi batizado, "père", ou pai. Daí a corruptela portuguesa do nome "preste", que deu fama ao estranho monarca. A lenda contagiou o imaginário europeu, porque era relativamente comum, antes da expansão árabe, comunidades cristãs coptas isoladas ao norte da África. O reino da Abíssinia era cristão, e, embora sofresse as investidas dos islâmicos, a sua fé original foi preservada. Em 1490, Dom João II mandou enviar dois emissários, Pero de Covilhã e Afonso de Paiva, para descobrir o suposto reino. Os leais espiões do rei cavalgam por terras cristãs européias, até partirem ao norte da África. Passam por Alexandria, no Egito e, disfarçados de mouros, chegam ao Cairo. Encantados com a rico comércio da cidade islâmica, compram camelos, cruzam toda a Península Arábica e chegam até a Meca. Os dois cristãos romanos, numa cena cômica, fingem prestar reverência à cidade sagrada muçulmana, para preservar a farsa. Eles se separam, e Covilhã pega o primeiro navio para as Índias, enquanto Afonso de Paiva vai para Abissínia. Planejam o reencontro no Cairo, para depois voltar pra casa. Quando Covilhã, depois de ter viajado para as Indias, volta para o Egito, em busca do amigo, descobre, por intermédio de um judeu português, o rabino José de Lamego, que Afonso de Paiva estava morto, vítima de uma peste. Covilhã faz um relatório apurado sobre as Índias para o rei e o envia, por intermédio do judeu Lamego, que volta a Portugal. Anos depois, Vasco da Gama utilizaria as descrições de Covilhã para a procura de Preste João.




(Dom Manuel e o caminho das Índias - 1495 - 1498).
Quando o navegador Cristóvão Colombo chegou às Américas, em 1492, este evento estarreceu os portugueses. Pela primeira vez, o reino de Portugal se viu ameaçado por uma potência intrusa em seus interesses marítimos. Se Castela era uma ameaça por terras, agora virou por mar. Os Reis Católicos espanhóis poderiam colocar tudo a perder quase um século de descobrimentos marítimos portugueses, já que eles competiam nas rotas para as Índias e, na prática, acabaram descobrindo um novo continente. Na verdade, os portugueses viram de perto a história, quando o próprio Colombo já havia se abrigado em Açores e acabou aportando seu navio em Lisboa, em 4 de março de 1493. Sua caravela “Niña” ameaçava afundar, avariada por uma tempestade violenta no oceano. Cristovão Colombo já era conhecido da Corte lusitana, quando ofereceu seus serviços ao rei Dom João II, propondo encontrar um caminho para as Índias, pelo lado do poente, a oeste do Atlântico. Colombo seguia o pensamento de um astrônomo italiano chamado Toscanelli, que em 1474, escreveu uma carta ao rei Dom João, afirmando que a rota das Índias poderia ser encontrada a oeste, diminuindo o decurso longo da costa africana. Porém, os judeus sábios da corte, tal como Abraham Zacuto, tinham rechaçado a idéia por soar quimérica e errada. Como o rei português não fez acordo com o navegador, ele acabou caindo nas graças da rainha espanhola Isabel a Católica, que financiou o projeto de conquistar a rota das Índias pelo oeste.
Na praia do Restelo, Colombo foi abordado por uma nau portuguesa, na pessoa do capitão Bartolomeu Dias, o mesmo que tinha chegado ao Cabo da Boa Esperança, e foi obrigado a descer de seu navio. Foi detido pelos portugueses e mandado direto ao rei. Colombo temeu por sua vida, pois sabia que o “Príncipe Perfeito” Dom João II não costumava ser piedoso com aqueles que divergiam de seus interesses. De fato, muitos cortesãos portugueses aconselharam o próprio rei para que o executasse sumariamente. No entanto, Colombo mostrou o seu salvo-conduto dos reis católicos, e, apresentado ao rei, disse que tinha descoberto o caminho das Índias para o poente. O rei e os cortesãos não acreditaram muito na história e creram que os espanhóis estavam quebrando o Tratado de Toledo, em que Espanha renunciara o direito sobre as terras descobertas pelos lusitanos na África Ocidental. Aliás, o rei disse a Colombo que os Açores eram portugueses e que qualquer investida de uma nau espanhola que passasse por aquela região, ameaçava a soberania do reino. Os portugueses se sentiram ultrajados, porque acreditavam que as terras descobertas por Colombo, poderiam ser de direito, posses do reino de Portugal. Dom João II mandou uma carta de protesto público contra as investidas dos Reis Católicos e os embaixadores dos dois países sentaram para negociar a divisão do mundo. Colombo foi liberado pelo rei e, aliviado, voltou para Sevilha, dando as boas novas aos reis da Espanha. Havia descoberto a América! Porém, Colombo acreditava ter chegado às Índias e deu essa notícia aos seus monarcas benfeitores. A Bula Inter Coetera não agradava aos portugueses, uma vez que dava como suspeita, as influências dos reis católicos sobre o papa espanhol Rodrigo Bórgia, ou Alexandre VI. De fato, a diplomacia portuguesa protestou contra a bula papal, ao afirmar a idéia de que os portugueses só herdariam águas na parte oeste. Muito se discute o grau de conhecimento dos portugueses sobre a existência da América. Alguns historiadores se convencem de que as exigências de Portugal contra a Espanha se deviam ao fato, bastante provável, de que os lusitanos sabiam da existência das terras a oeste do Atlântico, que pudessem ser exploradas em favor dos portugueses. Assinaram o Tratado de Tordesilhas e, no final, pacificaram as relações diplomáticas.
Todavia, Portugal estava numa situação embaraçosa. Precisava chegar o quanto antes às Índias, para resguardar o monopólio comercial sobre o oriente. A nação portuguesa já possuía tecnologia suficiente para criar uma nova rota comercial, já que tinha angariado influência geopolítica sobre toda costa da África Ocidental e chegara ao Cabo da Boa Esperança. Lisboa já era uma das cidades mais ricas da Europa e um dos maiores centros comerciais do mundo. Praticamente uma boa parte do capital europeu, vindo de Flandes, Inglaterra, França, Itália e mesmo Espanha, estava inserido na cidade portuguesa, financiando viagens à África e revendendo suas mercadorias para o resto do continente. Em particular, os banqueiros italianos de Florença, de Pisa e mesmo de Gênova, excluídos do mercado mediterrâneo, monopolizado por Veneza, viam no financiamento das rotas para as Índias, um grande negócio, capaz de derrotar suas rivais.
Porém, a coroa estava endividada e quando Dom Manuel declarou que reinvestiria no intento de buscar as rotas das Índias, irritou uma boa parte da nobreza portuguesa e das cortes, que não acreditavam no projeto. Todavia, Dom Manuel amenizou os ânimos dos nobres, ao escolher um fidalgo de alta linhagem para liderar a frota das Índias. Esse homem era Vasco da Gama.



Porém, a coroa estava endividada e quando Dom Manuel declarou que reinvestiria no intento de buscar as rotas das Índias, irritou uma boa parte da nobreza portuguesa e das cortes, que não acreditavam no projeto. Todavia, Dom Manuel amenizou os ânimos dos nobres, ao escolher um fidalgo de alta linhagem para liderar a frota das Índias. Esse homem era Vasco da Gama.
01.Vasco da Gama – Enfim, Portugal chega nas Índias. . .






Ofendido, o Samorim manda deter Vasco da Gama. O capitão, despitando a guarda indiana, orienta um marinheiro a avisar a seu irmão, que volte para Portugal e avise ao rei, da hostilidade do príncipe de Calicute. O marujo consegue fugir dos guardas e ir para a praia, até chegar a nau São Rafael. Paulo da Gama se recusar a ir e ameaça destruir Calicute pelos canhões e bombardas, se Vasco da Gama e sua tripulação não for solta. O Samorim, pressionado, acata a decisão do lusitano, enquanto a mourama, enfurecida, ameaça matar os portugueses na praia. Paulo da Gama chega com os comerciantes árabes e tenta negociar com eles, trocando tecidos e outras mercadorias por especiarias, acalmando os seus ânimos, por enquanto.
Em 24 de maio, o Samorim concede aos portugueses, o direito de vender suas mercadorias, enquanto são abertamente hostilizados pelos mouros e hindus da cidade. Os portugueses estão numa situação de vulnerabilidade. Quase três meses depois, em 19 de agosto de 1498, Vasco da Gama detém vários indivíduos ligados ao Samorim, como reféns, para negociar um acordo de comércio e a garantia da vida dos portugueses. O príncipe indiano se recusa a negociar e troca os lusitanos da terra, pelos reféns do navio de Vasco da Gama. Em 29 de agosto, a frota portuguesa abandona Calicute, sem cumprir o acordo de comércio entre as partes. Passam pela Ilha de Angediva, em Goa, e na data do dia 25 de setembro de 1498, um homem se apresenta, infiltrando-se na nau São Gabriel. Falando o dialeto de Veneza, dizia-se árabe, porém, cristão, e que servia um poderoso senhor com um grande exército, pronto a apoiar os portugueses. À primeira vista, Vasco acreditou na história, contudo, desconfiado, pediu para averiguar a informação e descobriu que era uma armadilha. Capturaram o pobre sujeito e o torturaram, com açoites e pingos de óleo fervente, para revelar a trama. Descobriu-se que ele era judeu convertido ao islamismo, e ele acabou negando qualquer trama contra os portugueses. Pelo contrário, declarava estar feliz em ver aqueles “francos”, ou melhor, aqueles europeus (os francos se confundiam no imaginário oriental com os cruzados) por aquelas plagas. Os portugueses não creram na história e o homem foi levado na viagem, para Portugal.
Como ele era um visivelmente inteligente e culto, acabou por conquistar as simpatias do capitão da frota, o próprio Vasco da Gama. Esse homem, quando chegou a Portugal, foi batizado no catolicismo, com o sobrenome de seu protetor, e virou cristão-novo, abandonando formalmente o judaísmo e o islamismo. Em homenagem aos reis magos, foi chamado Gaspar da Gama. Não se sabe ao certo onde ele nasceu. Supõe-se apenas que era eslavo, provavelmente nascido na Polônia ou na Bósnia, no ano de 1440, e era um arquétipo do verdadeiro judeu errante, praticante de suas tradições religiosas, e comerciante nato. Quando era ainda menino, foi viver em Alexandria, no Egito e conheceu vários lugares da Europa e da Ásia, em particular quase todos os entrepostos comerciais do mundo. Por volta de 1470, viajou pela Península Arábica e chegou à Índia, onde se converteu ao islamismo. Ao chegar a Portugal, virou presença marcante na corte portuguesa, quando detalhou ao rei Dom Manuel, o funcionamento e as rotas dos entrepostos comerciais árabes na Índia. Outra qualidade havia em Gaspar da Gama: a sólida cultura lingüística, causada por anos de viagem e conhecimentos dos mais variados povos. Ele dominava o árabe e o hindu e provavelmente sabia falar várias línguas africanas e européias. Poucos anos depois, ele se tornaria o “língua”, ou melhor, o tradutor da esquadra de Pedro Álvares Cabral.
Na mesma ilha de Angediva, os portugueses sentem dificuldades de zarpar, por causa da calmaria dos ventos, que não impulsionavam as velas das naves. Finalmente, no dia 5 de outubro, conseguem partir de volta para suas casas. Chegam de novo a Melinde, e a nave São Rafael, demasiado avariada, é abandonada e queimada, para que os árabes não tenham acesso às tecnologias arquitetônicas dos navios portugueses. Conseguem dobrar o Cabo da Boa Esperança e chegam na Guiné. Paulo da Gama, irmão do capitão, está muito doente, e, enquanto a caravela Bérrio, comandada por Nicolau Coelho, volta pra Lisboa, a nau São Gabriel ruma para Cabo Verde. Vasco da Gama entrega o comando da nave a João Dias, enquanto leva o irmão enfermo para o Açores, onde Paulo acaba por falecer. Volta enlutado, para Lisboa, em agosto de 1499 e foi recebido com grandes honras pelo rei. Se antes era um marginal da nobreza de sua família, Vasco acabou sendo elevado como “dom”, além de ganhar o título da fidalguia de conde de Vidigueira e Almirante do Mar das Índias. Mais de dois terços da tripulação da Vasco da Gama morreu na viagem e só 55 pessoas voltaram para Portugal. Se a viagem foi dispendiosa, cara e pouco compensatória, uma vez que os portugueses não conseguiram fincar feitorias comerciais nas Índias, contudo, Portugal conseguiu uma rota valiosa para o mar, a ponto de superar seus rivais europeus e árabes. As Índias, depois de quase um século de tentativas, estava ao alcance dos portugueses.
(Cancioneiro musical de Belém)

(Cancioneiro de Belém - Século XVI)
Tuesday, March 13, 2007
História Trágico-Marítima de Portugal I: Memórias do Império Marítimo Português.

Dois séculos depois, Bernardo Gomes de Brito publica uma coletânea chamada “História Trágico-Marítima”, relatos de terríveis naufrágios dessa época de epopéia, aventura, terror e morte que foi a “Era dos Descobrimentos” (nas palavras dos próprios descobridores europeus “achamentos”). É interessante pensar que o termo “descobrir” não faria sentido no século XVI: descobre-se o que está coberto, enquanto acha-se o que é perdido.
A história marítima portuguesa do século XVI foi uma das mais épicas e fantásticas que se há notícia. Ela mistura elementos do amor, da tragédia, do conflito cultural, das guerras e mesmo o sintoma mesmo da modernidade. A epopéia marítima de Portugal relata a separação das damas lisboetas e dos cavaleiros para as águas do Mar Tenebroso, dos imensos oceanos e suas frágeis naus, para descobrirem novos mundos ou morrerem na travessia. Retrata também a ligação do mundo, através dos mares e das rotas comerciais, que modificaram para sempre a história da humanidade. O mundo começou a se tornar pequeno, a partir daí. . .
No entanto, a história se inicia a partir do século IX, quando o comércio europeu começa a se revigorar, a despeito de séculos de estagnação mercantil. Nas cidades, surge um grupo de pessoas livres, sem vínculos com as classes aristocráticas, que investe em comércio. Não possuidores de terra, vivem das trocas e vagam por vilas e castelos, para vender suas mercadorias. Na prática, eram pequenos feirantes, excluídos das terras senhoriais, que faziam a vida nas cidades, transferindo mercadorias e serviços. Os mercadores, apesar de se locomoverem livremente, fincavam pontos comerciais onde poderiam ser encontrados ou fixassem moradia. Tais cidades onde viviam eram os burgos. E seus moradores eram os burgueses. E assim surgiu a sociedade comercial.
O comércio gerou uma revolução econômica na Europa feudal. Muitos servos fugiam ou abandonavam os feudos para tentarem a vida comercial e as práticas de mercancia eram uma oportunidade de sustento para muitos que se livravam dos pesados fardos da hierarquia medieval. A escassez de terras e a difícil aquisição destas, restringia a posse de muitos à atividade agrícola. A riqueza chama àqueles que a buscam e os burgos atraíram novas levas populacionais para as cidades. O mercado cresceu, e junto com elas, os burgos comerciais, com seu fausto de liberdade e prosperidade.

Uma característica peculiar do burgo medieval era o grau de liberdade civil. As cidades comerciais eram governadas, em sua grande parte, por assembléias, e os cargos eram eleitos pela comunidade. Quem detinha algum tipo de propriedade na cidade, poderia eleger e ser eleito. Foram as cidades burguesas medievais que fundamentaram as primeiras legislações democráticas modernas. As leis civis, as comunas parlamentaristas dos moradores da cidade, o trabalho livre e assalariado, contrastavam com os domínios senhoriais dos nobres e reis da época. Perspectiva de vida melhor e liberdade civil era o melhor emblema dos burgos. Um provérbio medieval refletia esse espírito: “stadtluft macht Frei”, “o ar das cidades nos torna mais livres”. E, se for observado por uma ótica moderna, no êxodo rural para as cidades, qualquer camponês parece respirar essa liberdade que as cidades acalentam, em oportunidades e melhoras de vida.


A grande maioria dos camponeses residia em vilas isoladas, cujo contato com outros povoados era quase nulo. Essas vilas, muitas vezes, não contavam cem pessoas. As estradas eram íngremes e os salteadores e bandidos atacavam sob o menor descuido. Aliás, a informação, em geral, não circulava, já que imprensa não existia. Alguns fatos da história européia, como a mudança de papas e morte de reis, poderiam passar anos, sem que os habitantes camponeses da vila soubessem.
Havia mais gente dispersa nas florestas fechadas, matas e campos da Espanha, França, Itália, Alemanha e Polônia do que em qualquer cidade medieval. No final do século XV, cerca de 90% da população européia vivia no meio rural. Isso significava cerca de setenta milhões de pessoas que só viviam no campo, em aldeias e vilas pequenas perto das propriedades senhoriais. As cidades mais populosas da Europa não passavam de cem mil habitantes. A Itália, que no século XVI, contabilizava cerca de treze milhões de habitantes, e, portanto, era o país mais denso da Europa, suas cidades mais populosas, Nápoles e Veneza, contabilizavam, cada uma, cento e cinqüenta mil habitantes. O mesmo número populacional contabilizava Paris, na França, o país mais populoso da Europa, com quinze milhões de habitantes. Na verdade, as cidades mais populosas eram também as mais comercialmente prósperas. Tal facilidade se dava, porque algumas dessas cidades eram litorâneas ou viviam perto de rios ou estradas. Há de se lembrar que por uma boa parte da Idade Média, a maioria das estradas européias que ligavam as cidades era ainda do tempo do Império Romano.


Interessante perceber que o conceito moderno de “livre mercado” não era um fato na Idade Média. O comércio era visto dentro de um prisma corporativista, tal como as relações em geral, da sociedade medieval. As guildas e associações de oficio dos burgos visavam proteger os comerciantes associados contra os competidores rivais. Até as rotas se tornavam monopólicas: como a atividade comercial era uma concessão pública de um monarca e as rotas, um caso de conquista militar, as cidades comerciais, por vezes, entravam em guerras entre si. Na Itália, as cidades de Pisa, Genova e Veneza estavam em constante guerra pela disputa das rotas comerciais do Oriente. Por vezes, as cidades de Genova e Veneza financiavam as guerras internas do próprio Império de Constantinopla, disputando os pontos comerciais. Em 1204, Veneza conquistou seu passe livre para comercializar com o Oriente, depois que seus mercenários saquearam a cidade de Constantinopla e promoveram seu imperador. Em 1261, a dinastia dos Paleólogos conquista a cidade e o império expulsa os venezianos, promovendo seus aliados genoveses, que financiaram seu exército. Os pisanos e os florentinos ficaram de fora dessas rotas. Até os alemães sentiam a dificuldade do lidar com o preço das mercadorias, já que uma boa parte das vias do oriente estavam controladas pelas duas cidades italianas rivais. Genova e Veneza tinham primazia do comércio europeu, nos séculos XIII, XIV e XV, por uma seguinte razão: as duas cidades sabiam explorar as relações diplomáticas com o Império Bizantino e mesmo os rivais árabes e turcos. Se as rotas comerciais ficassem nas mãos de duas cidades, o mercado europeu poderia ser estrangulado pelos preços altos.
A epopéia portuguesa e a crise das cidades italianas.
Novas nações começaram a surgir no horizonte da sociedade medieval: diz respeito às monarquias nacionais, em particular, Portugal, a primeira nação-estado, de fato, a existir na Europa. A necessidade de usar as rotas marítimas dos venezianos e genoveses encontrava sérias dificuldades políticas e militares. A localização de Portugal, como o país mais afastado da Europa, não ajudava no trajeto para o oriente. Por outro lado, além das complicações militares com uma caríssima guerra contra os italianos e mesmo os turcos no Mar Mediterrâneo, havia o problema dos atravessadores árabes e hindus que transportavam as especiarias das Índias. Os comerciantes holandeses, franceses, espanhóis e mesmo os portugueses, poderiam fazer sociedades com os italianos, como de fato, existia. A dificuldade, contudo, é que o comércio da Europa ficava a mercê deles!

Antes da Revolução de Avis, em 1385, quando Portugal elevou Dom João I a rei, a nação lusitana já tinha uma longa tradição comercial e marítima, em parte, financiada pelos judeus do reino. A burguesia lisboeta, cristã ou judaica, tinha laços fortíssimos com os entrepostos comerciais ao norte da África e faziam sociedade, ora com os genoveses, ora com os venezianos, pela primazia das rotas comerciais. São conhecidas bancas comerciais portuguesas na Hansa Hanseática, uma vez que traziam mercadorias de Lisboa ou mesmo das cidades italianas de Genova e Veneza. No final do século XIV, o reino português fazia acordos comerciais com Genova, Veneza, Florença e Pisa, e transformava os banqueiros dessas cidades em sócios das bancas portuguesas. Grandes somas de investimentos europeus vão para Lisboa, uma das cidades que mais cresciam na Europa desde então.


A tecnologia náutica portuguesa do século XV acabou por se tornar uma espécie de segredo de Estado da coroa. Havia leis severas contra a venda ou mesmo a transferência de segredos náuticos para outras coroas rivais ou inimigas. Dizem que os reis portugueses puniam os espiões ou mesmo os traidores, costurando a boca deles. Mesmo as rotas marítimas, sendo desconhecidas por uma boa parte do mundo europeu, faziam parte dos segredos de Estado da monarquia e de seus investidores comerciantes e cientistas.
Há de se reconhecer também a bravura dos navegadores do século XV. Eram homens intrépidos, corajosos até a demência e se depararam com situações inimagináveis, pois enfrentavam mares desconhecidos e mares revoltos. Isso levou o sucesso do navegador Gil Eanes, que conseguiu ultrapassar o Cabo Bojador, na costa da Saara Ocidental, em 1434. O Bojador, até o século XV, era a fronteira última do europeu com o Mar Atlântico. Muitos mitos foram alimentados nessa perigosa travessia, já que uma boa parte dos navios que tentaram enfrentá-lo, acabaram nunca mais sendo vistos. Foi também nessa época que os Açores foram colonizados e anexados ao reino português. Em 1444, os portugueses descobrem o Cabo Verde e no final, acabam ultrapassando toda a Seara Ocidental e chegam na Guiné. Dai constroem os primeiros entrepostos comerciais na costa africana. Em 1460, os portugueses chegam a Serra Leoa e mais de vinte anos depois, Diogo Cão navegou pelo Rio do Zaire e estabeleceu relações comerciais com o reino do Congo. Em 1488, finalmente os portugueses quase dão a volta sobre o sul da África. Bartolomeu Dias chega ao Cabo da Boa Esperança, mas não consegue passa-lo, apavorados que ficaram os homens de sua tripulação.

Portugal construiu os caminhos para sua ascensão como potencia marítima, comercial e militar. No final do século XV, o reino poderia incrementar uma das epopéias mais desafiadoras que se há noticia: a tão sonhada rota para as Índias e a criação de um império comercial mundial. E no final, Lisboa se tornou a capital do mundo europeu. A continuação dessa história, contaremos em outra postagem.
(Cancioneiro de Elvas -Século XVI).
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