Monday, April 02, 2007

História Trágico-marítima II: elevando um reino a império!

(Intrigas políticas, palacianas e guerreiras do reino português: 1385 – 1495).
Portugal do século XV, na política, foi uma das mais controversas. O Mestre de Avis preservou a monarquia, ao expulsar os partidários portugueses e castelhanos da rainha Leonor Teles, derrotando-os no campo de batalha. De fato, a derrota da nobreza feudal portuguesa e castelhana e a união da monarquia com os burgueses, plebeus e pequenos nobres nacionalistas de Lisboa, incrementaram o processo de centralização monárquica de Portugal. A estabilidade do reino português foi consagrada, na medida que uma boa parte do séqüito da nobreza era ligada na pessoa do rei. O Mestre de Avis, ao casar-se com Filipa de Lancaster, em 1387, incrementou uma aliança com a Inglaterra, tirando Portugal do isolamento político. No entanto, alguma ameaça pairava sobre o trono lusitano, quando o infante Dom Dinis, filho do rei Pedro e Inês de Castro, declara-se rei e, com o apoio de Castela invade Portugal, no ano de 1398. No entanto, em Beira, o Condestável Nuno Álvares derrota as tropas de Dom Dinis e a dinastia de Avis, mais uma vez, é salva. Em 1402, Portugal e Espanha assumem a trégua e os partidários portugueses de Castela são perdoados, e, no ano de 1411, assinam a paz, com a devolução dos bens confiscados dos portugueses recalcitrantes.

Um evento particular depois influenciará a história de Portugal: o todo-poderoso homem de Portugal, militar, político, guerreiro e depois, frade carmelita, Nuno Álvares, casa sua filha Beatriz com o filho ilegítimo do Mestre de Avis, o infante Dom Afonso. Anos depois, Afonso é elevado como primeiro duque de Bragança, em 1444. Sua dinastia seria elevada à primazia do reino de Portugal, em 1640. Em 1415, Ceuta foi tomada dos mouros e os portugueses iniciam suas investidas imperialistas ao norte da África. Foi a partir do reinado de João que se iniciaram as navegações marítimas, financiadas por seu filho, o infante Dom Henrique, nomeado Mestre da Ordem de Cristo, em 1416. Dom Henrique era um homem que misturava impetuosidade militar, proselitismo religioso e cobiça pura e simples de riquezas. Não somente financiou uma boa parte das navegações marítimas com as vultosas somas da Ordem de Cristo, como também com os escravos e o ouro descobertos na costa ocidental da África. Em contrapartida, seu empreendimento era caríssimo e embora fosse muito rico, tinha sérios problemas em caixa, por causa das vultosas dívidas de seus empreendimentos náuticos e militares. Criou a Escola de Sagres e bancou uma boa parte dos sábios de sua época, ao aprimorar a tecnologia marítima portuguesa. Quando morreu, em 1460, os portugueses já tinham superado uma boa parte da costa da África.



O Rei João I faleceu em 1433 e foi substituído pelo seu filho Dom Duarte. Dizem que o batismo de seu nome foi em homenagem a seu bisavô, o rei Eduardo III da Inglaterra, já que era filho da rainha inglesa Filipa de Lancaster, neta do rei inglês. Em seu curto reinado, os portugueses conseguiram ultrapassar o Cabo Bojador, abrindo espaço para o domínio da costa oeste da África. Um evento que manchou a reputação do infante Dom Henrique foi quando idealizou o ataque a Tanger, em 1437. No malogro da batalha, os portugueses tiveram muitas baixas e a cidade não foi tomada. Para piorar, o príncipe caçula Dom Fernando, irmão do rei e de Henrique, foi capturado pelos mouros. O rei do Marrocos exigiu a devolução de Ceuta, em troca do resgate do príncipe, mas o próprio Dom Fernando se recusou e morreu no cativeiro. Pela sua abnegação, foi então chamado de “infante santo”. Um ano depois, Dom Duarte morreu, vitimado pela peste.

A morte do rei causou uma situação delicada em Portugal. O príncipe herdeiro, Afonso, ainda não tinha idade para governar e Dom Duarte deixou em testamento, os poderes de regência à rainha, dona Leonor de Aragão. As cortes, receosas do governo de uma estrangeira e espanhola, e sempre temerosas da ameaça de Castela, recusam o testamento real, exilam a rainha para a Espanha e declaram o tio do monarca, Dom Pedro, Duque de Coimbra, como regente. O duque mede esforços para centralizar o poder na figura do rei e se depara com seu rival e meio-irmão, Dom Afonso, que disputa as atenções do Rei-menino. Na prática, o Duque de Bragança representava a reação feudal contra o centralismo monárquico encabeçado pelo Duque de Coimbra. Astuciosamente, aos poucos, os Braganças conquistam a apreciação do rei. A velha aristocracia portuguesa, ressentida com o fortalecimento da monarquia de Avis, e potencial aliada da monarquia castelhana, acabava por encontrar brechas para enfraquecê-la.

Em 1444, os portugueses iniciam um dos empreendimentos dos mais odiosos desde então: na cidade de Lagos, em Algarve, abrem o comércio de escravos negros na África. Em vistas a concorrer com o mercado árabe de escravos, em vigor ao norte da África desde o século VIII, compram escravos das tribos africanas e as revendem ao comércio europeu (particular, nas Ilhas de Açores e na Itália) e do Mediterrâneo. Posteriormente, com a descoberta e colonização da América, o mercado de escravos negros se expande para o Novo Mundo, tornando-se uma das atividades mais lucrativas da Idade Moderna. Por todo o litoral africano, são construídas feitorias portuguesas alinhadas com os reinos negros do Congo, Guiné, Moçambique e outras nações européias, como Inglaterra e Holanda, entram na disputa da mão de obra negra.

Inicialmente os portugueses capturavam escravos no litoral, através do puro despojo de guerra. Entretanto, viam que era mais lucrativo fazer alianças com as populações nativas, que já praticavam o escravismo com os árabes. Até então a moeda usada era o ouro da Guiné, com que os portugueses trocavam os cravos com os aliados africanos. Posteriormente, o tabaco também foi usado como moeda de troca até o século XIX.

Dom Afonso, agora Duque de Bragança, busca as atenções do seu sobrinho-rei e alimenta hostilidades contra o regente do reino, Dom Pedro, Duque de Coimbra. O casamento do príncipe herdeiro com a filha de Dom Pedro desagrada ao Duque de Bragança, que começa a causar intrigas e corroer as relações do futuro rei com seu tutor. Quando o príncipe Afonso é elevado rei, em 1448, é induzido pelo Duque de Bragança a anular todas as leis criadas na regência de Dom Pedro, a fim de demonstrar total independência política e autoridade sobre o reino. No entanto, o Duque de Bragança conspirava para derrubar o status de seu meio-irmão Pedro e enfraquecer a monarquia, ao manipular o próprio rei a conceder plenos poderes aos nobres. Calunia indecorosamente o regente Dom Pedro e conspira para jogá-lo contra o monarca.


Ao espalhar notícias falsas de uma suposta revolta contra o rei, este declarou o Duque de Coimbra um rebelde traidor. Pressionado pelas cortes, o rei obriga ao infante regente para que deponha às armas e suas tropas leais. O regente duque se recusa e o rei, furioso, manda a própria esposa falar com o pai, para que ele escolhesse sua pena de traição: a morte, a prisão perpétua ou o desterro. A rainha Isabel de Coimbra, aos prantos, aconselhara ao pai para que ele fosse exilado para a Inglaterra ou Hungria, onde tinha parentes e amigos. O Duque de Coimbra se recusara e armou suas tropas, marchando para Lisboa.

Isso acabou de levar o reino a uma guerra civil, e na sangrenta e feroz batalha de Alfarrobeira, no ano de 1449, o sogro do monarca, Dom Pedro, morre no campo de batalha. Algum tempo depois, arrependido, e por amor à esposa rainha, o rei reabilita a memória do sogro rebelde, dando um sepultamento digno de alta nobreza. No ano de 1455, a esposa do monarca, Isabel de Coimbra, falece, aos vinte e três anos de idade. Dom Afonso V passou uma boa parte do reino preocupado com as investidas bélicas ao norte da África, (daí a ser chamado, o “africano”). O rei encarnava o pensamento cruzadista, cogitando um exército contra os turcos, poucos anos depois da queda de Constantinopla, em 1453. O monarca, ao ouvir o clamor do papa Calixto III, chegou a organizar uma tropa de 12 mil homens, para lutar contra os turcos no cerco a Belgrado, em 1457. Todavia, o papa morreu um ano depois, e o plano malogrou, fazendo com que Afonso usasse suas forças na expansão da África. Em 1458, conquistou Alcácer Ceguer; em 1464, tomou Anafé e em 1471, conquistou Arzila, completando o domínio quase total dos Marrocos, ao capturar Tanger e Larache.


Depois das guerras na África, o rei Afonso interfere nos assuntos de Castela. Sua irmã, Joana, casada com o rei Henrique IV, de Castela, acaba gerando uma filha, também chamada Joana, só que rejeitada pela nobreza castelhana, por ser uma bastarda de um amante da rainha, Beltrán de la Cueva. Surgiram rumores da impotência sexual do rei espanhol, e a irmã de Henrique, Isabel, ajudava a espalhá-los, quando a filha da rainha assim foi chamada “Beltraneja”. Tal cognome era escandaloso, pois insultava a honra da princesa herdeira de Castela, já que fazia alusão o adultério da rainha, que posteriormente foi banida do reino espanhol. Quando o rei Henrique morreu, em 1474, uma parte da nobreza espanhola adere à tia de Joana, que é elevada rainha de Castela, sob o nome de Isabel I. No entanto, Afonso V não aceita a coroação e, em apoio à sua sobrinha Joana “Beltraneja”, casa-se com ela, em 1475 e declara-se rei de Castela, invadindo o reino espanhol. Uma guerra civil explode entre a nobreza de Castela, junto com uma guerra entre o reino português e castelhano. O Reino de Aragão intervém com suas tropas, na figura de Fernando II, esposo de Isabel e na feroz batalha de Toro, em 2 de março de 1476, as tropas portuguesas são desbaratadas no campo de batalha. Dom Afonso V fez um acordo com Luis XI, rei da França, para angariar apoio na logística militar contra Castela, mas o rei francês se recusa, preocupado com as investidas contra o ducado da Borgonha. Posteriormente, a França realiza um pacto de amizade com Castela e o rei português é forçado a aceitar a ascensão e legitimidade dos reis espanhóis, ao assinar o Tratado de Alcáçovas, em 1479, renunciando ao trono castelhano. Neste ínterim, em 1477, Dom Afonso V já havia abdicado do seu trono em favor do filho Dom João e depois volta atrás. O rei cai em depressão, e anos depois, falece no mosteiro de Sintra, em 1481, aos 49 anos de idade.

O príncipe João, filho de Afonso, foi elevado a Rei João II, e assim chamado “Príncipe Perfeito”, pela fama de homem astucioso, centralizador e por vezes, violento. O rei Afonso V havia negligenciado a administração do reino, já que vivia em guerras e mais guerras fora dele e deixava os poderes da monarquia aos nobres. Os seus parentes, os Duques de Bragança, tinham ganho bastante poder e influência, junto com uma aristocracia que era hostil à centralização real. Na prática, a Casa de Bragança era a família mais rica de Portugal e uma das mais ricas da Europa. Era a maior proprietária de terras de reino português e ainda possuía grandes propriedades em Castela, Navarra e Aragão. Se os Duques de Bragança, notórios conspiradores, poderiam manipular o rei Afonso V, já não poderiam esperar o mesmo no seco e temperamental João II, homem implacável e impetuoso. Na proposta de centralização monárquica, o rei acaba criando uma burocracia particular de procuradores reais, juristas e homens leais à sua autoridade, reduzindo o poder e os privilégios dos nobres, em particular de seus parentes. Isso desagrada uma boa parte da velha aristocracia, que se vê privada de sua força política, em face à onipotência da Coroa. E ressurge a velha aliança da nobreza portuguesa com os interesses monárquicos de Castela.

Há de se entender que o conceito de “nacionalidade” e de “Estado” ainda eram embrionários. A nobreza européia não nutria vínculos nacionais para com seus povos, mas tão somente vínculos familiares e dinásticos para com seus pares. Isso porque cada território de um senhor feudal possuía uma lei própria em que poderia reger sua cidade ou vila, e a relação de suserania e vassalagem, que consignava deveres mútuos entre a coroa e a aristocracia, implicava limitações ao poder do reino. A dúbia lealdade dos nobres portugueses com a Coroa tinha a ver com a idéia de que a influência castelhana enfraqueceria a monarquia portuguesa, e isso daria plenas forças para que a aristocracia controlasse o rei. Daí a entender que a “alta traição” da nobreza portuguesa não estava ligado a um conceito nacional e sim na quebra de lealdade na figura do rei. Se havia uma chamada “razão de Estado”, um termo impróprio na Idade Média, era na pessoa exclusiva do rei. Sabia-o bem Dom João II que não poderia confiar nos seus pares aristocráticos. E a tendência para enfraquecê-los, visava simplesmente limitar a ação política deles.

O rei, através de seus espiões, descobre uma correspondência secreta entre Dom Fernando, Duque de Bragança e os Reis Católicos Isabel e Fernando, visando conspirar contra seu reino. Nas cartas, o duque declarava-se hostil à política real e chamava-a de “tirana”, e suas opiniões, conhecidas pelos inimigos castelhanos, foram intoleráveis a Dom João II. Isso porque se falava de rumores de uma suposta invasão contra o reino de Portugal. Em 1483, Dom Fernando foi preso por traição, julgado e decapitado em praça pública na cidade de Évora. A família de Bragança foi banida de seus títulos, suas terras foram confiscadas e anexadas à propriedade da Coroa e o herdeiro do ducado, Dom Jaime, ainda criança, foi exilado pra Castela.

Porém, não foi a única conspiração. O homem mais poderoso de Portugal, depois do Duque de Bragança, era Dom Diogo, Duque de Viseu, primo e cunhado do rei, beneficiário do título ducal de Viseu, pelo infante Dom Henrique, seu tio. Desgostoso com a política real, o duque idealizou uma conspiração para assassinar Dom João. Numa audiência no palácio, o Dom Diogo é chamado à presença do monarca e quando aparece, é morto a punhaladas pelo próprio rei. Muitos outros conspiradores são impiedosamente executados, como o bispo de Évora, que é encontrado morto na prisão, envenenado.

No âmbito externo, os portugueses conseguem explorar toda a costa ocidental da África e constroem uma formidável fortaleza militar na Guiné, São Jorge de Mina, em 1482, garantindo as fontes primárias de ouro na região e drenando o comércio português. Comenta-se que para impressionar os nativos, o rei mandou uma pequena tropa de portugueses bem vestidos e armados até os dentes, reluzindo em armaduras, para impor temor e respeito a quem os visse. Na verdade, as minas africanas de ouro abasteceram a Europa de moedas de ouro, já que Portugal comprava roupas, cavalos, tecidos, latões e chumbo da Inglaterra, Irlanda, Flandes e Alemanha com moedas da Guiné. Os portugueses consumiam trigo do Marrocos e o reexportavam para toda o continente europeu, junto com especiarias, marfim, pimenta malagueta (vinda da África), metais preciosos e escravos. A afluência de ouro por intermédio de Portugal foi tão marcante, que séculos depois, alguns tipos de moedas que circulavam na Europa Setentrional eram chamados de “portugaleses”, em alusão às moedas vindas da Casa de Mina, centro comercial onde eram fiscalizadas as mercadorias vindas da África.

O rei, obcecado pelos mitos em torno do continente africano, em particular, da lenda de Preste João, monitorava de perto, as ações e atividades econômicas e militares de perto na África. Preste João era um mitológico príncipe cristão, que provavelmente vivia na Etiópia e era narrada sua existência por mercadores árabes, judeus e mesmo europeus. Uma lenda antiqüíssima, já que a história era ouvida na Europa, desde o século XII. A sua primeira menção foi em 1145, quando um bispo do Líbano relatava a descrição de um reino cristão para lá da "Pérsia e da Armênia", cujo governante era um rei-sacerdote, descendente dos reis magos. Ele se chamava "João, o presbítero", e na linguagem franca da época, foi batizado, "père", ou pai. Daí a corruptela portuguesa do nome "preste", que deu fama ao estranho monarca. A lenda contagiou o imaginário europeu, porque era relativamente comum, antes da expansão árabe, comunidades cristãs coptas isoladas ao norte da África. O reino da Abíssinia era cristão, e, embora sofresse as investidas dos islâmicos, a sua fé original foi preservada. Em 1490, Dom João II mandou enviar dois emissários, Pero de Covilhã e Afonso de Paiva, para descobrir o suposto reino. Os leais espiões do rei cavalgam por terras cristãs européias, até partirem ao norte da África. Passam por Alexandria, no Egito e, disfarçados de mouros, chegam ao Cairo. Encantados com a rico comércio da cidade islâmica, compram camelos, cruzam toda a Península Arábica e chegam até a Meca. Os dois cristãos romanos, numa cena cômica, fingem prestar reverência à cidade sagrada muçulmana, para preservar a farsa. Eles se separam, e Covilhã pega o primeiro navio para as Índias, enquanto Afonso de Paiva vai para Abissínia. Planejam o reencontro no Cairo, para depois voltar pra casa. Quando Covilhã, depois de ter viajado para as Indias, volta para o Egito, em busca do amigo, descobre, por intermédio de um judeu português, o rabino José de Lamego, que Afonso de Paiva estava morto, vítima de uma peste. Covilhã faz um relatório apurado sobre as Índias para o rei e o envia, por intermédio do judeu Lamego, que volta a Portugal. Anos depois, Vasco da Gama utilizaria as descrições de Covilhã para a procura de Preste João.

Então desce para a África, até encontrar a Abissínia, e para seu espanto, encontra um pequena comunidade cristã oprimida pelos islâmicos. Um rei, de nome Alexandre, se declara descendente de Preste João, e recebe muito bem o aventureiro português. Covilhã se prepara para voltar a Portugal, em 1494, quando o rei abissínio morre e os cortesãos o obrigam a ficar no país. O costume da terra impedia que um forasteiro saísse do país e Covilhã, casado e pai de uma criança, acaba se casando com uma etíope. Recebe terras e escravos, tornando-se um dos homens mais poderosos da região. Em 1508, é elevado a conselheiro da nova rainha Helena e, em nome dela, manda um embaixador da Abissínia para Portugal. Em 1515, o frade Francisco Alves acompanha um séquito diplomático português à Abissínia, com o objetivo de criar vínculos políticos. Anos depois, este eclesiástico relatou a fantástica historia de Prestes João e de Covilhã, na obra "Verdadeira informação das Terras de Preste João das índias", publicado postumamente em Portugal,em 1540, "Segundo Vio e Escreveo ho Padre Alvarez Capellã del Rey Nosso Senhor".



Com Bartolomeu Dias, os navios chegam ao Cabo das Tormentas, (depois batizado pelo rei Dom Manuel, como Cabo da Boa Esperança), aproximando o velho sonho lusitano de encontrar uma rota marítima para as Índias. No âmbito diplomático, Dom João II arranja um casamento dinástico entre seu filho, o príncipe Afonso, com a filha dos reis de Castela. Contudo, em 1491, o filho do rei acaba morrendo num acidente de montaria, aos 16 anos de idade, e isso frustra o sonho do Príncipe Perfeito, de querer unir os dois reinos mais poderosos da Península Ibérica. Portugal inteira ficou de luto e durante seis meses, os barbeiros-cirurgiões do reino se recusaram a cortar a barba e o cabelo dos súditos e fidalgos. Daí a moda das barbas grandes dos portugueses do final do século XV, em sinal de tristeza pelo príncipe morto. Em 1494, o rei consegue preservar seus domínios ultramarinos, com o Tratado de Tordesilhas, evitando, assim, uma guerra contra a Espanha. E, adoentado e sem herdeiros legítimos, recusa-se a elevar seu filho bastardo, Dom Jorge, e nomeia o seu primo, Dom Manuel, como herdeiro do trono português. Em 1495 falece e é enterrado em grandes pompas em Algarve.

Dom Manuel teve uma ascensão meteórica. Era irmão de Dom Diogo, Duque de Viseu, e dias depois de sua morte, aos 16 anos, foi chamado pelo monarca assassino. Temeroso pela sua vida, acabou por ganhar o título de Duque de Beja. Dom João II entrou para a história como o rei que promoveu a centralização monárquica, enfraquecendo e exterminando o poder dos nobres e impondo um séquito de pessoas sob sua autoridade. Aliás, sua fama e sua personalidade são paradoxais; seus contemporâneos nutriam um estranho sentimento de dubiedade e mesmo temor dele. Poderia ser gentil, amoroso, educado para com os seus pares, e ao mesmo tempo cruel, terrível para com seus inimigos. Daí a fama de “Príncipe Perfeito”, ou, simplesmente, nas palavras da Rainha Isabel de Castela, a Católica: “El Hombre!”. Há quem diga que tenha sido envenenado pelos seus adversários, (essa informação nunca foi comprovada), embora tenha promovido a rei, justamente o irmão do homem a quem assassinou publicamente na corte. Comenta-se que, três anos depois de sua morte, quando o rei Manuel fez uma imensa procissão para levar seu corpo ao Convento da Batalha, mandou que abrissem o caixão do rei: estava intacto, coberto de cal. Então o monarca mandou que soprassem o pó sobre o corpo e, num gesto de reverência, o rei beijou as mãos e os pés do cadáver.
(Dom Manuel e o caminho das Índias - 1495 - 1498).

Quando o navegador Cristóvão Colombo chegou às Américas, em 1492, este evento estarreceu os portugueses. Pela primeira vez, o reino de Portugal se viu ameaçado por uma potência intrusa em seus interesses marítimos. Se Castela era uma ameaça por terras, agora virou por mar. Os Reis Católicos espanhóis poderiam colocar tudo a perder quase um século de descobrimentos marítimos portugueses, já que eles competiam nas rotas para as Índias e, na prática, acabaram descobrindo um novo continente. Na verdade, os portugueses viram de perto a história, quando o próprio Colombo já havia se abrigado em Açores e acabou aportando seu navio em Lisboa, em 4 de março de 1493. Sua caravela “Niña” ameaçava afundar, avariada por uma tempestade violenta no oceano. Cristovão Colombo já era conhecido da Corte lusitana, quando ofereceu seus serviços ao rei Dom João II, propondo encontrar um caminho para as Índias, pelo lado do poente, a oeste do Atlântico. Colombo seguia o pensamento de um astrônomo italiano chamado Toscanelli, que em 1474, escreveu uma carta ao rei Dom João, afirmando que a rota das Índias poderia ser encontrada a oeste, diminuindo o decurso longo da costa africana. Porém, os judeus sábios da corte, tal como Abraham Zacuto, tinham rechaçado a idéia por soar quimérica e errada. Como o rei português não fez acordo com o navegador, ele acabou caindo nas graças da rainha espanhola Isabel a Católica, que financiou o projeto de conquistar a rota das Índias pelo oeste.

Na praia do Restelo, Colombo foi abordado por uma nau portuguesa, na pessoa do capitão Bartolomeu Dias, o mesmo que tinha chegado ao Cabo da Boa Esperança, e foi obrigado a descer de seu navio. Foi detido pelos portugueses e mandado direto ao rei. Colombo temeu por sua vida, pois sabia que o “Príncipe Perfeito” Dom João II não costumava ser piedoso com aqueles que divergiam de seus interesses. De fato, muitos cortesãos portugueses aconselharam o próprio rei para que o executasse sumariamente. No entanto, Colombo mostrou o seu salvo-conduto dos reis católicos, e, apresentado ao rei, disse que tinha descoberto o caminho das Índias para o poente. O rei e os cortesãos não acreditaram muito na história e creram que os espanhóis estavam quebrando o Tratado de Toledo, em que Espanha renunciara o direito sobre as terras descobertas pelos lusitanos na África Ocidental. Aliás, o rei disse a Colombo que os Açores eram portugueses e que qualquer investida de uma nau espanhola que passasse por aquela região, ameaçava a soberania do reino. Os portugueses se sentiram ultrajados, porque acreditavam que as terras descobertas por Colombo, poderiam ser de direito, posses do reino de Portugal. Dom João II mandou uma carta de protesto público contra as investidas dos Reis Católicos e os embaixadores dos dois países sentaram para negociar a divisão do mundo. Colombo foi liberado pelo rei e, aliviado, voltou para Sevilha, dando as boas novas aos reis da Espanha. Havia descoberto a América! Porém, Colombo acreditava ter chegado às Índias e deu essa notícia aos seus monarcas benfeitores. A Bula Inter Coetera não agradava aos portugueses, uma vez que dava como suspeita, as influências dos reis católicos sobre o papa espanhol Rodrigo Bórgia, ou Alexandre VI. De fato, a diplomacia portuguesa protestou contra a bula papal, ao afirmar a idéia de que os portugueses só herdariam águas na parte oeste. Muito se discute o grau de conhecimento dos portugueses sobre a existência da América. Alguns historiadores se convencem de que as exigências de Portugal contra a Espanha se deviam ao fato, bastante provável, de que os lusitanos sabiam da existência das terras a oeste do Atlântico, que pudessem ser exploradas em favor dos portugueses. Assinaram o Tratado de Tordesilhas e, no final, pacificaram as relações diplomáticas.



Todavia, Portugal estava numa situação embaraçosa. Precisava chegar o quanto antes às Índias, para resguardar o monopólio comercial sobre o oriente. A nação portuguesa já possuía tecnologia suficiente para criar uma nova rota comercial, já que tinha angariado influência geopolítica sobre toda costa da África Ocidental e chegara ao Cabo da Boa Esperança. Lisboa já era uma das cidades mais ricas da Europa e um dos maiores centros comerciais do mundo. Praticamente uma boa parte do capital europeu, vindo de Flandes, Inglaterra, França, Itália e mesmo Espanha, estava inserido na cidade portuguesa, financiando viagens à África e revendendo suas mercadorias para o resto do continente. Em particular, os banqueiros italianos de Florença, de Pisa e mesmo de Gênova, excluídos do mercado mediterrâneo, monopolizado por Veneza, viam no financiamento das rotas para as Índias, um grande negócio, capaz de derrotar suas rivais.

Porém, a coroa estava endividada e quando Dom Manuel declarou que reinvestiria no intento de buscar as rotas das Índias, irritou uma boa parte da nobreza portuguesa e das cortes, que não acreditavam no projeto. Todavia, Dom Manuel amenizou os ânimos dos nobres, ao escolher um fidalgo de alta linhagem para liderar a frota das Índias. Esse homem era Vasco da Gama.
01.Vasco da Gama – Enfim, Portugal chega nas Índias. . .

Os preparativos de uma viagem marítima de tamanha envergadura exigiam tempo, paciência e coragem. Os navios portugueses do século XV e XVI dispunham da mais avançada tecnologia da época. Além dos cascos serem mais resistentes e versáteis, os portugueses inovaram a caravela, ou seja, uma pequena nave de velas triangulares ou latinas, cujo mecanismo fazia com que os barcos velejassem contra a direção dos ventos. Relata-se o seu uso entre os portugueses, por volta de 1430, embora as caravelas já fossem conhecidas entre os navegadores gregos, que a chamavam de “caravo”, ou seja, “lagosta”. “Caravela” era diminutivo de “caravo” e assim ficou conhecido em Portugal. Por outro lado, os portugueses inovaram a tecnologia dos navios, ao inventarem a nau, um barco com velas triangulares e retangulares, que compensava tanto usar a força dos ventos, como ir contra a direção dele. Alguns historiadores afirmam que foi o próprio Bartolomeu Dias quem inventou o novo modelo de navio.

Por volta de 1480, os navios portugueses, antes usados como marinha mercante, foram armados com canhões e bombardas, por ordem do rei João II, para intimidar tanto as naves européias inimigas, como os próprios nativos da África. Na verdade, os formatos dos navios portugueses lembravam verdadeiros quartéis flutuantes, já que a construção da proa da popa se assemalhavam a um castelo sobre as águas. A comida era rigorosamente racionada entre os marujos, soldados e oficiais, e um despenseiro ficava responsável pela distribuição dos alimentos. Os tripulantes comiam cerca de 15 kg de carne por mês, cebola, vinagre e azeite, embora fosse permitido aos capitães trazer galinhas, ovelhas e outros mantimentos a bordo. Nos dias santos e de jejum, em particular, na Páscoa, era distribuído peixe, arroz ou queijo, para substituir a carne. As comidas eram temperadas com sal, azeite ou mesmo vinagre, que também era usado para limpeza dos alimentos e do porão. Porém, o alimento mais comum era um biscoito produzido para consumo interno dos navegantes, cuja fama era das mais terríveis: era bolorento, fedorento e cheio de baratas. Comenta-se que os marujos comiam tais biscoitos, junto com os vermes. Isto era associado a uma carrada de vinho e água por dia (cerca de um litro e meio), apesar de que, com as mudanças climáticas, a bebida alcoólica e mesmo a água, tinham um cheiro, por vezes, insuportável. A sujeira era comum, já que os ratos também faziam parte dos navios, e os marujos faziam suas necessidades fisiológicas dentro das embarcações.


A disciplina interna de um navio não somente refletia uma ordem militar, como uma rígida hierarquização medieval. No início, muitos navios foram guiados por capitães e pilotos de origem plebéia, embora alguns representassem a autoridade real. Todavia, a infiltração da nobreza no comando das armadas, modificou essa divisão. O capitão principal da armada comandava a armada pela nau-capitânia, enquanto o resto dos navios, e mesmo da nave de mantimentos, seguiam suas diretrizes. Abaixo do capitão, havia os pilotos e os estudiosos de navegação, que mediam a posição dos astros, e mesmo, dos ventos. Abaixo deles, vinham os contramestres e os guardas, que comandavam diretamente a tripulação, pela proa, popa e centro do navio e junto, a guarnição militar. Acompanhavam-nos, os artesãos, os calafetes, carpinteiros e tanoeiros, necessários para a manutenção dos navios, caso estes fossem avariados. Juntos, vinham os marinheiros, homens de sólido conhecimento técnico, que manipulavam as velas, observavam os mares e vestígios de terra pelas gáveas e remexiam as cordas e as diretrizes internas do navio. E a classe mais baixa desse grupo era a dos grumetes, garotos pobres e de baixíssimo nível social, que pegavam o trabalho mais severo e pesado, ao seguir ordens dos marinheiros. Muitos deles sofriam abusos de toda ordem e tinham o risco de serem até molestados sexualmente pelos marujos. Entretanto, a disciplina interna da armada era draconiana. A sodomia era punida com a pena de morte. Insubordinação e motim também não eram tolerados. A mera indolência de um marujo ou grumete poderia ser punida com o açoite ou espancamento da tropa. Os padres que iam nessas viagens proibiam carteados, jogos e impunham um feroz rigor sobre a conduta dos marinheiros. Mulheres eram inexistentes. Somente muitos anos depois é que as mulheres eram vistas nos navios, e mesmo assim, eram prostitutas ou órfãs do reino, dispostas a casamentos nas colônias portuguesas.

Foi com este espírito e o acúmulo de conhecimentos centenários, que o rei de Portugal, Dom Manuel, o Venturoso, escolheu um aristocrata para liderar a conquista das rotas marítimas das Índias. Vasco da Gama era o segundo filho do fidalgo Estevão da Gama e descendente de uma família, cuja genealogia se encontra, inclusive, na aristocracia inglesa. Não se sabe ao certo, a data de seu nascimento. Provavelmente nasceu por volta de 1469. Seguindo a tradição das famílias nobres, como segundo filho, Vasco da Gama quase chegou a seguir a carreira eclesiástica. Porém, nutria um espírito de aventura e guerra, já que não herdara os títulos de nobreza do pai, e queria ter brilho próprio. Guerreia contra os mouros, em nome do Príncipe Perfeito Dom João, ao norte da África e ganha notoriedade pela truculência, bravura e crueldade.


Anos depois, seu irmão, Paulo, é chamado pelo rei Dom Manuel, para ir às índias, só que se recusa liderar, em favor de Vasco. No dia 7 de julho de 1497, na presença das cortes de Monte-mor, o rei outorga a Dom Vasco, a liderança da sua pequena armada para o caminho das Índias. No dia seguinte, zarpou de Lisboa, pelo Tejo, liderando quatro navios e 170 homens. Conduzia duas naus, uma caravela e uma naveta de mantimentos. A nau São Gabriel era o navio do capitão Vasco, enquanto a nau São Rafael estava sob o comando de seu irmão, Paulo, e a caravela Bérrio era conduzida por Nicolau Coelho. Passando pelo Oceano Atlântico, chegara em agosto, a Cabo Verde, para abastecer, e seguiu direto. Navegou mais para oeste e viu sinais de terra, já que estava próximo do Brasil, quando virou a esquadra a leste, finalizando o trajeto na África Ocidental. Ao chegar no Cabo da Boa Esperança, enfrentou uma brutal tempestade, com suas ondas invadindo as frestas do casco, enquanto os navios balançavam como loucos no mar. A tripulação ficou apavorada com as águas que faziam tremer navios tão frágeis. Destemido e corajoso, o capital Vasco da Gama não se intimidou e, forçando a tripulação a seguir, acabou sendo o segundo navegante a ultrapassar o cabo tormentoso. Na prática, além do trajeto do cabo ser perigoso, os pedregulhos das águas poderiam encalhar ou mesmo destroçar os navios. Em 14 de março de 1498, Vasco da Gama chega a Sofala, zona litorânea e comercial de islâmicos e hindus, na costa de Moçambique. Os islâmicos e hindus da cidade viram com maus olhos as naus portuguesas, pois se sentiam ameaçados pelos europeus. Vasco da Gama, ao chegar à cidade, tenta, sem sucesso, encontrar informações sobre o lendário rei Preste João. Na ilha de Moçambique, são atacados por mouros, que os descobrem como inimigos cristãos, e Vasco da Gama manda bombardear a cidade, por retaliação. Em 7 de abril, chegam a Mombaça, e convidados pelo sultão local, temem uma emboscada. Recusam-se a descer e os portugueses vão embora do local. No dia 15 de abril, chegam a Melinde e encontram ventos mais favoráveis. O sultão local é mais simpático aos portugueses. Diálogo e troca de presentes causam boas relações entre as duas partes e Vasco da Gama liberta alguns mouros prisioneiros para o chefe da cidade. Em troca, o sultão oferece seu piloto árabe para leva-lo a Calicute, na Índia.

No dia 20 de maio de 1498, Vasco da Gama chega às Índias. Se os portugueses ficaram maravilhados com o intenso comércio na África oriental, não deixaram de ficar mais espantados com a riqueza, o fausto e a dinâmica da cidade indiana. O comandante da frota foi apresentado ao Samorim-rajá, ou melhor, ao “senhor dos mares” de Calicute, líder político da cidade. Inicialmente, Vasco da Gama, envolvido nas lendas de Preste João, acreditava que o príncipe de Calicute fosse um cristão e chegou a confundir um templo hindu com uma igreja. Quando os portugueses tiveram a sua audiência, no dia 28 de maio de 1498, eles se sentiram completamente intimidados. Esperavam um acordo diplomático, representando o rei de Portugal e se viram numa extrema mendicância, tamanha a riqueza daquele monarca oriental. O líder da cidade estava vestido de jóias e ouro, de cabeças aos pés, sem contar sua corte, que era um luxo sem fim nas roupas. Vasco da Gama chegara polido, afirmando desejar consolidar uma aliança entre tão grandes e poderosos reis. Todavia, pra consolidar a completa gafe diplomática, o capitão Vasco mostrou como presentes do rei de Portugal, ridículas oferendas ao príncipe indiano: açúcar, mel, azeite, chapéus. . .

Ofendido, o Samorim manda deter Vasco da Gama. O capitão, despitando a guarda indiana, orienta um marinheiro a avisar a seu irmão, que volte para Portugal e avise ao rei, da hostilidade do príncipe de Calicute. O marujo consegue fugir dos guardas e ir para a praia, até chegar a nau São Rafael. Paulo da Gama se recusar a ir e ameaça destruir Calicute pelos canhões e bombardas, se Vasco da Gama e sua tripulação não for solta. O Samorim, pressionado, acata a decisão do lusitano, enquanto a mourama, enfurecida, ameaça matar os portugueses na praia. Paulo da Gama chega com os comerciantes árabes e tenta negociar com eles, trocando tecidos e outras mercadorias por especiarias, acalmando os seus ânimos, por enquanto.

Em 24 de maio, o Samorim concede aos portugueses, o direito de vender suas mercadorias, enquanto são abertamente hostilizados pelos mouros e hindus da cidade. Os portugueses estão numa situação de vulnerabilidade. Quase três meses depois, em 19 de agosto de 1498, Vasco da Gama detém vários indivíduos ligados ao Samorim, como reféns, para negociar um acordo de comércio e a garantia da vida dos portugueses. O príncipe indiano se recusa a negociar e troca os lusitanos da terra, pelos reféns do navio de Vasco da Gama. Em 29 de agosto, a frota portuguesa abandona Calicute, sem cumprir o acordo de comércio entre as partes. Passam pela Ilha de Angediva, em Goa, e na data do dia 25 de setembro de 1498, um homem se apresenta, infiltrando-se na nau São Gabriel. Falando o dialeto de Veneza, dizia-se árabe, porém, cristão, e que servia um poderoso senhor com um grande exército, pronto a apoiar os portugueses. À primeira vista, Vasco acreditou na história, contudo, desconfiado, pediu para averiguar a informação e descobriu que era uma armadilha. Capturaram o pobre sujeito e o torturaram, com açoites e pingos de óleo fervente, para revelar a trama. Descobriu-se que ele era judeu convertido ao islamismo, e ele acabou negando qualquer trama contra os portugueses. Pelo contrário, declarava estar feliz em ver aqueles “francos”, ou melhor, aqueles europeus (os francos se confundiam no imaginário oriental com os cruzados) por aquelas plagas. Os portugueses não creram na história e o homem foi levado na viagem, para Portugal.

Como ele era um visivelmente inteligente e culto, acabou por conquistar as simpatias do capitão da frota, o próprio Vasco da Gama. Esse homem, quando chegou a Portugal, foi batizado no catolicismo, com o sobrenome de seu protetor, e virou cristão-novo, abandonando formalmente o judaísmo e o islamismo. Em homenagem aos reis magos, foi chamado Gaspar da Gama. Não se sabe ao certo onde ele nasceu. Supõe-se apenas que era eslavo, provavelmente nascido na Polônia ou na Bósnia, no ano de 1440, e era um arquétipo do verdadeiro judeu errante, praticante de suas tradições religiosas, e comerciante nato. Quando era ainda menino, foi viver em Alexandria, no Egito e conheceu vários lugares da Europa e da Ásia, em particular quase todos os entrepostos comerciais do mundo. Por volta de 1470, viajou pela Península Arábica e chegou à Índia, onde se converteu ao islamismo. Ao chegar a Portugal, virou presença marcante na corte portuguesa, quando detalhou ao rei Dom Manuel, o funcionamento e as rotas dos entrepostos comerciais árabes na Índia. Outra qualidade havia em Gaspar da Gama: a sólida cultura lingüística, causada por anos de viagem e conhecimentos dos mais variados povos. Ele dominava o árabe e o hindu e provavelmente sabia falar várias línguas africanas e européias. Poucos anos depois, ele se tornaria o “língua”, ou melhor, o tradutor da esquadra de Pedro Álvares Cabral.

Na mesma ilha de Angediva, os portugueses sentem dificuldades de zarpar, por causa da calmaria dos ventos, que não impulsionavam as velas das naves. Finalmente, no dia 5 de outubro, conseguem partir de volta para suas casas. Chegam de novo a Melinde, e a nave São Rafael, demasiado avariada, é abandonada e queimada, para que os árabes não tenham acesso às tecnologias arquitetônicas dos navios portugueses. Conseguem dobrar o Cabo da Boa Esperança e chegam na Guiné. Paulo da Gama, irmão do capitão, está muito doente, e, enquanto a caravela Bérrio, comandada por Nicolau Coelho, volta pra Lisboa, a nau São Gabriel ruma para Cabo Verde. Vasco da Gama entrega o comando da nave a João Dias, enquanto leva o irmão enfermo para o Açores, onde Paulo acaba por falecer. Volta enlutado, para Lisboa, em agosto de 1499 e foi recebido com grandes honras pelo rei. Se antes era um marginal da nobreza de sua família, Vasco acabou sendo elevado como “dom”, além de ganhar o título da fidalguia de conde de Vidigueira e Almirante do Mar das Índias. Mais de dois terços da tripulação da Vasco da Gama morreu na viagem e só 55 pessoas voltaram para Portugal. Se a viagem foi dispendiosa, cara e pouco compensatória, uma vez que os portugueses não conseguiram fincar feitorias comerciais nas Índias, contudo, Portugal conseguiu uma rota valiosa para o mar, a ponto de superar seus rivais europeus e árabes. As Índias, depois de quase um século de tentativas, estava ao alcance dos portugueses.
(Cancioneiro musical de Belém)


O Cancioneiro de Belém é coletânia musical renascentista, descoberta na Biblioteca do Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia, em Belém, Portugal, e contém 18 peças musicais. O Cancionerio de Belém provavelmente foi publicado em 1603, embora suas peças tenham sido compostas até na segunda metade do século XVI. Fala-se então da chamada "música maneirista" lusitana, que é uma mescla de músicas vindas da tradição espanhola e ritmos da polifona flamenga, então vigentes em Portugal. Há de se notar também os modismos da Itália, em particular, na poesia e na instrumentalização musical. A grande maioria das autorias das peças do Cancioneiro de Belém são desconhecidas, embora possam ser identificados alguns mestres da música portuguesa renascentista, como Antonio Carreira, organista e Mestre de Capela dos reis Dom João III e Dom Sebastião. Encontra-se também nas letras, poetas da Renascença portuguesa e espanhola, como D. Manuel de Portugal, (Aquella voluntad que se ha rendido), Cetinna "la monja" (Ay de mi Sin ventura), Jorge de Montemor, (Flerida emn cuya mano) e Garcilaso de La Vega (O Mas dura que Marmor). A grande maioria das músicas retrata o conceito do pessimismo no amor, uma tradição comum na cortesania renascentista e no amor cortês medieval. Há também os vilancicos, peças pastorais que retratam cenas bucólicas e rurais. A peça "Pues a Dios humano vemos" é, provavelmente, uma peça de Natal, em comemoração a Natividade. Enfim, um universo musical em sons, na época dos Descobrimentos!
(Cancioneiro de Belém - Século XVI)

5 comments:

Anonymous said...

Gostaria de poder salvar essa músicas para mostrar aos meus alunos nas aulas de literatura portuguesa, principalmente nas aulas referentes ao trovadorismo. Há como fazer isso, por favor?

Conde Loppeux de la Villanueva said...

Caro Zuza, vc pode me passar o email que eu mando pra vc, os mp3 das músicas. Abraços cordiais!

Anonymous said...

Amigo Conde, meu e-mail é isaias.zuza@gmail.com. Esperarei o envio das músicas. Meus alunos vão gostar de aulas com músicas. Muito obrigado pela atenção.

Anonymous said...

por favor vc pode mandar o mp3 das musicas do cancioneiro de belem pra mim tb...
meu email:
jamesd.hunter@gmail.com

obrigado

Marcus said...

Por favor,

xlynz@ymail.com

Estarei à espera. Obrigado.